segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Retrato falado



Por Luciana Cajado

Tentarei aqui delinear o esboço de um descanso para o olhar: o retrato falado de uma das paisagens mais bonitas do Brasil. Talvez eu não seja tão fiel quanto a imagem real, caberá um pouco de sentimento no todo. Mas farei o possível para ser precisa.  Descobrimos o tal descanso num recanto inusitado do país. Uma ilha? Uma ponta de areia? Um Morro da Bandeira sem bandeira? Um barranco de areia construído com as artimanhas do vento? Proponho que imaginemos juntos: em uma folha de papel em branco, comece o desenho pelas dunas – rabisque muitas, até perder de vista. Coloque bastante areia, branquinha, daquela que reluz e doem as vistas. Pinte um céu azul, tão azul de querer voar e, no meio, um sol que ascende e cada vez mais irradia aquele brilho de quinta grandeza do qual só ele é capaz. As plantas são desnecessárias a princípio, não fazem parte dessa imagem imediata. Depois do deslumbre, quando começarmos a sentir o calor, procuraremos por elas. Atravessando essa folha de papel, corte um imenso rio que arrasta tudo, inclusive o azul do céu e o suor do povo que caminha pelas duras terras do sertão brasileiro. Espalhe pelas areias algumas (ou muitas) conchas miúdas em grupos de cores – lilás, castanhas, negras, brancas –, espalhe também pedras lindas e feias. Para findar, brote do papel restos de plantas que parecem nunca ter existido, senão na forma de galhos secos, retorcidos, como se ali estivessem por obra de uma exposição de artes plásticas a céu aberto. No mais, contemple e respire.

O cenário real é baiano. O rio é o famoso Velho Chico cujas águas represadas criaram diferentes paisagens nessa região do sertão e compõem com as areias imagens exclusivas – as Dunas do Velho Chico, área em que a natureza sertaneja presenteou com grandes formações de areia, plantas escassas (mas, nem por isso, menos belas), animais adaptados ao convívio com este lugar e pouquíssimos habitantes.

Nesse contexto, o grupo das Jornadas Fotográficas do Vale do São Francisco planejou muito mais que ultrapassar o desafio de chegar às Dunas. A ideia era fechar o ano com um acampamento na “ilha” em frente às Dunas. A questão era: como chegar à Ilha? Boa pergunta... As aventuras começaram uma semana antes, quando um pequeno grupo de aventureiros saiu para desbravar a região e descobrir como chegar à segunda margem do rio. Depois de idas e vindas, pneu estourado, atolamentos, dentre outros, chegamos a Adão, o barqueiro que gentilmente aceitou nos acompanhar nesta aventura. Simpático, Adão já deixou acordado nosso encontro do próximo sábado para atravessar todos os jornadeiros que viessem para a viagem. E não éramos poucos: no sábado marcado, partimos de Petrolina, em Pernambuco, em busca de mais aventuras fotográficas e de mais um final de semana de amizade e risos compartilhados.

A travessia para a Ilha (que depois descobrimos não se tratar exatamente de uma ilha, mas de uma ponta de areia) foi tranquila, num barquinho simples e charmoso, seguindo em companhia da simpatia de Adão – que desde o início da tarde já nos esperava à margem. Ao chegar e após uma longa caminhada, instalamos nossas barracas, estacionamos um jet ski que serviria como nosso apoio em caso de urgência e preparamos a fogueira. Alguns já armavam suas câmeras, outros armavam a churrasqueira improvisada entre as pedras, outros armavam os lampiões... E, entre músicas, petiscos, flashes e risos, a noite se instalou com a companhia de estrelas, de um luar de beleza exclusivamente sertaneja e de uma notícia triste. Um celular inacreditavelmente funcionou naquele lugar distante de tudo e Maurício, um de nossos jornadeiros, recebeu a noticia da partida de um companheiro e amigo das Jornadas – Vitorino Cuca. A certeza do carinho que Cuca tinha por esse grupo e de que isso era recíproco, somado ao nosso sentimento de pesar, misturou-se ao momento de confraternização do grupo e resultou em uma homenagem muito bonita: um dos desenhos mais belos que a dor poderia produzir através da luz. A fotografia que o grupo fez para ele naquela ocasião certamente tem Cuca presente. Ele sempre quis estar conosco em uma jornada – e esteve.

A noite seguiu com as cores da madrugada e todas as possíveis descobertas que a brincadeira com a luz conseguiu registrar nas nossas câmeras.

Amanhecemos domingo, curtimos a aurora, fizemos o desjejum em coletivo e, dividindo desde o café até as pamonhas, seguimos a descobrir outros recantos da “ilha”.

Para finalizar, refrescamos o corpo e a alma de molho nas águas do São Francisco.

Partir não foi fácil: o sol imperdoavelmente escaldante, as bagagens pesadas. A caminhada de volta parecia ter triplicado da noite para o dia. Mas chegamos – as costas tostadas, as pernas em frangalhos e as mentes leves. Nos olhos, a certeza do descanso.

No retorno, almoçamos as delícias da cozinha da mãe da Flávia, em Casa Nova (BA), ao som de uma sanfona gostosa e em meio a uma preguiçosa tarde de domingo. Seguimos em viagem e chegamos ao ponto de partida no começo da noite.

Talvez, essa tenha sido a minha última jornada com o grupo. Talvez eles não saibam o tamanho da importância que eles têm para mim. Sinceramente, esses companheiros foram uma das melhores descobertas do ano na minha vida. Achei um tesouro inusitado no sertão e não poderia fechar tudo em 2013 com uma chave mais dourada do que essa viagem às Dunas.

Esse texto é uma tentativa de redesenhar o meu olhar: sobre a última jornada do ano, sobre as Jornadas do Vale do São Francisco, sobre a amizade, sobre o amor, sobre a gratidão, sobre compartilhar momentos, sobre ser humano. Hoje, minha gratidão se reflete em dividir esse olhar com vocês. Guardem-no. É a minha forma de agradecer por poder compartilhar momentos tão doces, simples e fotograficamente belos ao lado desses companheiros de jornadas.

5 comentários:

  1. Lindo Luciana!!! Apesar de te conhecer pouco, já te admiro muito - tanto por sua doçura em falar tão lindamente desse lugar, que deu louca vontade de conhecer, como por retratar tão bem o sentimento do grupo - e aproveito para te desejar toda sorte na nova jornada, como de parabenizá-la pela aprovação. Muita, muita sorte, saúde, paz, sucesso e volte sempre, que o vale é seu, nosso, de todos que tiverem a sorte de por ele passar e poder conhecer esse povo bom, inteligente, admirável e trabalhador que temos por aí aos montes. Um cheiro em todos! Carol

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  2. Linda crônica Lu! Excelente. Escreveu com a alma.

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  3. Lu,

    Quanta delicadeza e emoção nesta tua crônica. Que você é uma pessoa sensível sempre foi notório, mas, doutora, que escreves tão maravilhosa bem é novidade para mim. Deliciosa essa leitura que nos transporta de maneira suave a este lugar encantado,preciosamente delineado pelo teu olhar tão apurado.
    Preciso te confessar que não pude conter as lágrimas, que insistiram em percorrer meu rosto em uma mistura de sorriso de choro. Sorriso de alegria causados pela recordação de momentos tão especiais, divertidos e felizes que pudemos apreciar a teu lado. Lágrimas pela despedida que se aproxima. Moça, tens pouco tempo no grupo, mas tua presença é tão iluminada que será difícil não contar com esse teu sorriso largo da menina dos olhos grandes, tatuagem de flor, que veio lá do Pará. És muito querida, jamais duvide. Atrelada a essa tristeza, segue o contentamento quanto ao seu desenvolvimento profissional, social e, com certeza, pessoal. Seu futuro, sem dúvidas, será brilhante, assim como sua pessoa.

    Um abraço apertado e um beijo estalado já com gostinho de saudade.

    Flavia =]

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  4. Lú, foi com muita emoção que cheguei ao final do texto, chorei...
    Apesar de não ter participado desta jornada, vivi cada momento através da leitura, viajei... sei o que representamos, cada um invidualmente, no grupo...cada um do seu jeitinho, mas que somados representa amor, carinho, alegria, amizade. Você fará muita falta,mas deixará sua marca registrada delicadeza,sensibilidade, amizade. Foi maravilhoso ter conhecido esta menina do Belém do Pará...kkkkkkk
    Sucessos na nova fase da sua vida...desejamos o melhor para você...mas esperamos sempre sua visita...
    Olha quem bebe a àgua do Velho Chico sempre volta.

    Xero grande com gostinho de saudades.

    Angela Maria

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  5. Lindas palavras, um resumo tão rico em detalhes.
    Assim se encerra mais um ano de jornadas junto de alegrias e tristezas, tudo como é a vida.
    Muito bom fazer parte dessa família, e como toda família sempre temos irmãos e filhos indo... indo atras de sua felicidade, de sua realização profissional... Vá, amiga... mas fica sabendo que já estás deixando muitas saudades e nunca se esqueça que "O Bom Filho à casa Torna."
    Desejamos a você todo o Sucesso do mundo.

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