terça-feira, 24 de setembro de 2013

Palavra de Jornadeira


Por Suzana Leal

O mestre mandou avisar: saímos às 5h30!! Não atrasem! E no local e horário marcado estávamos todos lá, preparados para mais uma aventura fotográfica. Bom, todos não! Faltava um. Quem? Ele mesmo, Eugênio Souza! Que dormia tranquilamente seu sono e apareceu quase uma hora depois com a cara e a careca mais lisa do mundo atrasando a programação.

Agora todos a postos, lá vamos nós com destino a Orocó/PE para a nossa 31ª Jornada Fotográfica.  Mas dessa vez, sem avisar e rompendo drasticamente com a tradição,  Aldenice não levou bolo de banana para o nosso café da manhã no ônibus, dava para notar as carinhas de tristeza... poxa, aquele bolo banana...que saudades dele... O jeito foi parar para o  café em Santa Maria da Boa Vista/PE  e aí descobrimos que ser jornadeiro também é inflacionar a economia local. Dona Maria, quanto é um pão com margarina? Para vocês é R$ 1,50!

Todos abastecidos de café e muito açúcar, voltamos ao ônibus.  Zé Carlos, sem Joana para acalmá-lo e calçando alpercata com meia, escolhe Danielly para vítima e “bulina” a menina durante toda a viagem. Enquanto isso, Eugênio vai cantando o mantra da paz “pela verdade, pelo seu poder, paz, amor e harmonia... ” tirando o sossego de quem ainda queria dormir uns minutinhos a mais.

Por volta das 8:00h chegamos a Orocó e seguimos direto ao encontro dos barqueiros que nos conduziriam pelo mesmo caminho que no século XVII fizeram os frades capuchinhos franceses em suas missões de catequese dos índios que habitavam aquela região. Aqui nosso primeiro grande desafio, momento de apelar para todos os santos e orixás pedindo coragem para entrar naqueles barquinhos sem colete salva-vidas. Dividimos o grupo e em dois barcos descemos rio abaixo em direção a ilha de São Félix. O rio São Francisco nessa região tem um formato bem diferente do que estamos acostumados a ver em Petrolina/Juazeiro. São ilhas, ilhotas e muitas pedras que formam corredeiras e dificultam a navegação.  E apesar de podermos observar as intervenções do homem na natureza, esse trecho do rio ainda está bastante preservado. Pássaros, cágados e borboletas se exibem para nossas lentes por todo o caminho.

A chegada à ilha de São Félix, área federal protegida e morada dos índios da tribo Trucá, surpreende bastante pois não havia praticamente ninguém na vila e os casebres de taipa,  o lixo e as várias garrafas de aguardente deixam em quem visita a ilha pela primeira vez uma sensação de abandono e decadência. No meio da vila as ruínas da Igreja de São Félix sinalizam a passagem dos jesuítas por ali. Timidamente surge um ou outro morador, desconfiados, quase não falam  e só interagem mesmo quando perguntamos algo. De repente alguém acha um lugar sagrado no meio da ilha e grita, vem ver! Vem ver! Não era uma igreja, nem um cemitério, nem mesmo uma gruta com uma santa dentro e sim um recanto, bem escondido embaixo de um “pé de cola”, tinha de tudo ali! Galinhas chocando ovo dentro de um freezer velho, pé de “cacau” pra não dizer bucha, vassoura de Harry Potter, bruxas, cadeira elétrica, espelhos e para quem não perde a oportunidade de ficar bonito tinha até maquiagem natural de urucum... Tudo o que atiça a imaginação, enche os olhos dos jornadeiros e nos deixam ávidos por fotografar e também, claro, que nos faz dar boas risadas. Mais adiante, outros jornadeiros querem saber como é ser índio, se enfeitam de saia e cocar e... xiiiss, olha a foto!

Hora de partir para a próxima ilha em busca da igreja de São Miguel. Um dos barqueiros dá um aviso muito especial,  “Os que irão no meu barco fiquem sentados porque é a primeira vez que eu vou para aquelas bandas do rio”. E outra vez lá vamos nós agarrados a todos os santos e jesuítas! A essa altura o sol já consumia o nosso juízo e a fome começava a apertar. Chegamos às ruinas da igreja de São Miguel, clicks, clicks, clicks e a pergunta que não quer calar, não tinha um lugar mais fácil para construir uma igreja, não? Se já é complicado chegar aqui hoje imagina no tempo dos Jesuítas com todo esse material de construção!

Partimos para a ilha da Vila, agora rio acima, sol, calor e o motor do barco tro-tro-tro-tro-tro-tro desafiando nossa paciência. Estava sofrido mas era por uma boa causa pois íamos ver a famosa igreja onde os índios “rebeldes” não pintaram nas paredes temas europeus como pediram os jesuítas e sim peixe e coisas típicas da região... Na ilha da Vila o barqueiro não quis nos acompanhar até as ruinas da igreja, só disse que ficava logo ali... mas esse “ali” não chegava nunca e quando o “ali” chegou e finalmente localizamos as ruínas  custou um pouco para a turma entender que  os losangos pintados nas paredes eram os tais famosos peixes.

Hora de voltar para Orocó e novamente fomos surpreendidos pelo barqueiro... “só tem um barco mas é igual a coração de mãe, cabe todo mundo!”. Outra vez lá vamos nós, todos no mesmo barquinho e com a certeza de que não precisávamos mais nos agarrar a santo nenhum, pois Deus é jornadeiro, só pode!

Por volta das 15:00h, felizes por estar em terra firme, fomos ao encontro do prefeito da cidade, Sr. Reginaldo Crateús, que gentilmente nos recepcionou com um almoço e em seguida nos conduziu até as obras da transposição do rio São Francisco na divisa com a cidade de Cabrobó. Pausa para mais uma foto oficial e todos com um só pensamento, como será a pousada? Para o desencanto de muitos a pousada era uma pousada muito engraçada...  quem tinha ar-condicionado não tinha frigobar, que tinha cama não tinha chuveiro quente, quem tinha chuveiro quente não tinha travesseiro e por aí vai, mas no final tudo se ajeita, são muitas emoções, faz parte do espirito jornadeiro!

A noite foi de confraternização e pizza na pracinha quase deserta da cidade, conversas e muita descontração brindaram o sucesso do primeiro dia de jornada.
No domingo cedinho todos prontos para subir a serra e apreciar a vista lá de cima... tem jornadeiro que sobe rápido e não reclama, tem jornadeiro que sobe rindo, tem jornadeiro  que só reclama e tem jornadeiro que... Sobe, clica, para, sofre, clica, sobe, cansa, bebe água, queima a pele, clica, clica, sobe, xinga, jura que nunca mais vai voltar, sobe, pensa em desistir, descansa, sobe, clica, bebe mais água, respira, clica, aprecia a vista, sobe, sobe, avista a cruz, fica feliz, tá perto, sobe mais um pouquinho, uuuf cheguei!! Parabéns Ângela você é a superação em pessoa!!!

Lá de cima da Serra Linda registramos a seca ardendo ao lado do rio abundante, tão contraditório é o sertão...e pensamos, será mesmo a transposição o remédio? Lá de cima registramos o rio de água verdinha que convida para um banho, dizem que lá embaixo tem um balneário, uma cachoeira (que nunca achamos), um peixe na brasa e uma cerveja gelada... e é para lá que vamos comemorar e fotografar o final de mais uma jornada.

7 comentários:

  1. Amei seu texto Suzana, me imaginei lá ...... não sei o que faria neste barquinho tão pequenino mas que coube tanta gente como realmente o coração de uma mãezona ......

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  2. A sensação, durante a leitura, é de estar novamente lá, vivendo todas as aventuras.
    Com certeza quem não esteve conseguiu imaginar também. Excelente texto, Su!

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  3. Maravilha de relato Suzana! Mais uma jornada incrível para nossa lista. Tenho certeza de que as fotografias irão surpreender.

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  4. Que boa iniciativa, Suzana. Foi como se eu tivesse participado nesta jornada também. Obrigada.

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  5. Que beleza de trabalho. Parabéns a Silvia Nonata e a equipe do Revelare. Fiquei desejando estar nessa bela e animada jornada. Um dia vou!

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  6. "Sobe, clica, para, sofre, clica, sobe, cansa, bebe água, queima a pele, clica, clica, sobe, xinga, jura que nunca mais vai voltar, sobe, pensa em desistir, descansa, sobe, clica, bebe mais água, respira, clica, aprecia a vista, sobe, sobe, avista a cruz, fica feliz, tá perto, sobe mais um pouquinho, uuuf cheguei!!" hahahahaahaha
    quaaaase me identifiquei nesse trecho!

    Suzana, adorei tuas palavras! =)
    Voltei no tempo e senti Orocó toda de novo!!

    Lu.

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